Nos primeiros séculos depois da morte do Buda, quando o
Budismo se tornou uma religião popular, foi formalizada a ideia de que havia
três caminhos para a iluminação, dos quais se poderia escolher: o caminho para
a iluminação como um discípulo do Buda, (savaka), o caminho para a iluminação
como um Buda “silencioso,” (pacceka-buddha), isto é, alguém que realiza a
iluminação por si próprio, mas que não é capaz de ensinar o caminho da prática
para os outros; e o caminho para a iluminação como um Buda perfeitamente
iluminado, (samma sambuddho). De acordo com a definição desses caminhos, eles
se constituem de perfeições, (paramis), de caráter, mas ainda existiam dúvidas
com relação às quais perfeições seriam essas e como cada caminho diferiria um
do outro. O Theravada, por exemplo, definiu dez perfeições e organizou a
coleção do Jataka de tal modo que ela culminasse em dez histórias, cada uma
ilustrando uma das perfeições. O Sarvastivada, por outro lado, definiu seis
perfeições e assim organizou a sua coleção do Jataka.
Todos os Budistas concordavam que o terceiro caminho era
muito mais longo, mas havia discordâncias quanto ao desenvolvimento das
perfeições ao longo dos distintos caminhos, isto é, se elas seriam ou não
quantitativamente ou qualitativamente diferentes. Em outras palavras, um Buda
desenvolveria mais perfeições do mesmo tipo das de um arahant, ou ele
desenvolveria perfeições de um tipo radicalmente diferente? Aqueles que
acreditavam que as perfeições diferiam apenas quantitativamente puderam tomar
os cânones Budistas mais antigos como seu guia para se tornarem um Buda, pois
eles podiam simplesmente extrapolar as perfeições do caminho do arahant,
seguindo basicamente o que estava descrito nesses cânones. No entanto, aqueles
que buscavam se tornar um Buda, mas que acreditavam que as perfeições diferiam
qualitativamente tinha de fazer uma investigação fora dos cânones. As pessoas
deste último grupo com frequência praticavam uma forma de meditação que
objetivava induzir visões de bodisatvas que praticavam o caminho para se tornar
um Buda, juntamente com Budas de outros sistemas cósmicos. Esses Budas e
Bodisatvas – esperava-se – iriam proporcionar informação privilegiada sobre o
caminho completo para se tornar um Buda. Os ensinamentos que resultaram dessas
visões foram bastante diversos. Mas só no século III da era Cristã, com o
desenvolvimento da escola Yogacara, é que um esforço concentrado foi feito para
compilar todos esses vários ensinamentos num corpo único – aquilo que agora
conhecemos como o movimento Mahayana — porém a diferença entre esses
ensinamentos era tão grande que o Mahayana nunca alcançou uma verdadeira
unidade.
Portanto, sob a perspectiva histórica, existem dois modos
principais de seguir o caminho para se tornar um Buda: o que segue a orientação
obtida nos cânones mais antigos, e aquele que segue as tradições desenvolvidas
a partir das experiências de visionários do início da era Cristã. Os textos
neste guia de estudo adotam a primeira abordagem.
Segundo um mal-entendido comum, a escola Theravada só ensina
o caminho de um discípulo, (savaka), do Buda, mas uma rápida revisão da
história do Theravada irá mostrar que muitos Theravadins tomaram os votos de
bodisatva e adotaram a prática das dez perfeições descritas no Jataka. Como,
para os arahants, essas perfeições diferem apenas em relação à quantidade, os
Theravadins, que aspiram à condição de arahants, vêem essas perfeições como
qualidades a serem desenvolvidas como parte da sua prática fora da meditação
formal. Por exemplo, eles fazem donativos para desenvolver a perfeição da
generosidade, participam de projetos habitacionais para desenvolver a perfeição
da energia, e assim por diante.
Para aqueles que, no mundo moderno, se debatem com a questão
de como praticar o Dharmma na vida diária, as perfeições proporcionam um modelo
útil para o desenvolvimento de uma atitude proveitosa em relação às atividades
rotineiras. De modo que, qualquer relacionamento ou atividade realizada de
maneira sábia, cujo propósito principal seja o desenvolvimento das perfeições
de um modo equilibrado, passa a fazer parte do caminho do Dharmma.
As perfeições também oferecem um dos poucos métodos
confiáveis de medir as realizações na nossa vida. As “realizações” no âmbito
dos relacionamentos e do trabalho tendem a se transformar em pó, mas as
perfeições de caráter, uma vez desenvolvidas, são confiáveis e duradouras e nos
conduzem para além das vicissitudes da vida diária. Por conseguinte, elas
merecem receber alta prioridade na maneira como planejamos as nossas vidas.
Esses dois fatos estão refletidos nas duas etimologias da palavra perfeição,
(parami): elas nos atravessam para a outra margem, (param)[1];e elas são de
importância primordial, (parama), na formulação do nosso propósito de vida.
Ajaan Thanissaro
[1] Esta é uma imagem que com frequência aparece nos textos Budistas. O caminho Budista é comparado com a travessia de um rio, no qual esta margem é samsara e a outra margem énibbana.